domingo, 26 de fevereiro de 2012

Bioquímico português abre caminho para travar surdez

Bioquímico português abre caminho para travar surdez

Nuno Raimundo é primeiro autor de artigo publicado na «Cell»

2012-02-18


Nuno Raimundo
Uma equipa de cientistas da Universidade de Yale integrada pelo jovem bioquímico português Nuno Raimundo e liderada por Gerald Shadel desvendou o processo da perda de audição através da manipulação genética de cobaias, abrindo caminho a um tratamento para a surdez.
A descoberta do mecanismo molecular que leva à surdez é narrada na última edição da "Cell", uma das três principais revistas científicas internacionais a par da "Nature" e "Science", e vem demonstrar que "ao contrário do que se pensava até agora, a perda de audição não é irreversível", afirmou à Lusa o cientista de 35 anos.

As células responsáveis pela audição "estão lá, só não estão a funcionar bem, não estão mortas" e podem ser reativadas "manipulando duas proteínas fundamentais farmacologicamente", dentro do DNA.

"Se [a perda de audição] não é tratada, à medida que passam anos - este é um problema muito comum, sobretudo nos seniores - pode tornar-se irreversível. [A descoberta] abre algumas janelas de possibilidade terapêutica. Pode vir a reduzir a incidência ou travar", explicou o cientista, pós-doutorando em Yale.

O estudo demonstra que a remoção de uma molécula conhecida como "superóxido" evita a morte de células críticas para a audição e identifica várias outras moléculas que podem servir de alvos terapêuticos.

Raimundo - primeiro autor do artigo publicado na «Cell» - afirma que vai continuar nesta linha de investigação no próximo ano, nomeadamente "para perceber exactamente quando algumas células [responsáveis pela audição] morrem, como morrem".

Imperfeições do DNA mitocondrial causam surdez Já existem medicamentos no mercado que actuam sobre algumas das proteínas em causa, mas têm sido utilizadas para tratar outras doenças, pelo que Raimundo estima que um tratamento específico para este problema levará "nunca menos de dez anos".

"Do momento em que se identifica uma proteína ligada a uma doença até se conseguir acertar com o medicamento certo, as quantidades, tudo exige tempo. Uma coisa é tratar ratinhos, outra pessoas", adiantou o cientista.

Mas a perda de audição "afecta milhões e milhões de cidadãos" e Raimundo acredita que não faltarão farmacêuticas interessadas em desenvolver um medicamento.

Licenciado em bioquímica em Lisboa, onde chegou a dar aulas, Raimundo - que já tinha sido notícia por ter identificado um mecanismo molecular de formação de tumores benignos do músculo liso do útero - rumou à Finlândia para trabalhar em investigação genética e daí veio para a prestigiada Universidade de Yale em 2008, especificamente para o projecto de estudo da surdez.

O seu objectivo mais vasto é estudar a relação entre a célula e um órgão essencial destas, as mitocôndrias, as "baterias onde se gera a energia química que mantém as células a funcionar" e cuja "avaria" está ligada a problemas de coração, fígado ou músculos.

Para alargar a sua pesquisa a outras "doenças mitocondriais", Raimundo está a planear abrir o seu próprio laboratório, em princípio na Alemanha, onde as condições de financiamento e de investigação são mais "generosas e flexíveis".

"Quero perceber como às vezes uma mutação no DNA mitocondrial leva ao desenvolvimento de problemas de coração e às vezes degeneração do cérebro. Quero perceber porque alguns tecidos, órgãos do corpo são mais susceptíveis a mutações".



O estudo demonstra que a remoção de uma molécula conhecida como "superóxido" evita a morte de células críticas para a audição (imagem Yale)
Ter o seu próprio laboratório será também uma oportunidade para reforçar a colaboração com colegas e instituições que trabalham na mesma área em Portugal.

Sublinha o trabalho bem cotado globalmente de instituições como as universidades do Minho, Aveiro, da Fundação Gunbenkian ou do Instituto Champalimaud.

"A pouco e pouco vai havendo massa crítica em Portugal e há certamente um nível de criatividade extraordinário que, a ser aproveitado, iria colocar o país no topo do mapa da Ciência. Mas tudo isto envolve financiamento, o que nesta altura é difícil", afirma.

Raimundo destaca a "capacidade de superação e adaptação" dos cientistas portugueses, "sobretudo as gerações mais novas", um "tipo de energia" que gostava de ter no seu futuro laboratório.

"Eu não sou ninguém neste momento, mas, na medida do que for a minha capacidade, teria maior gosto e prazer em ajudar aqueles [cientistas] que em circunstâncias difíceis conseguem fazer trabalho tão meritório", adianta.



http://www.cienciahoje.pt/index.php?oid=53123&op=all

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