sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Investigadora portuguesa caracteriza as "verdadeiras unidades biológicas”

Recorrendo a uma combinação entre cross-linking acoplado a espectrometria de massa e métodos bioquímicos (em vez de usar a cristalografia) para caracterizar, pela primeira vez, a estrutura das proteínas da ADN polimerase replicativa, a exonuclease e E.coli (bactéria Escherichia coli), “no fundo as verdadeiras unidades biológicas”, Ana Toste Rêgo, e outros investigadores do MRC Laboratory of Molecular Biology, Cambridge, Reino Unido, revelaram “que não só a polimerase se encontra em interacção com o grampo deslizante, o que já tinha sido reportado, mas também que a exonuclease está posicionada entre a polimerase e o grampo interagindo com ambas, numa conformação que facilita o acesso ao ADN quando um erro por parte da polimerase é cometido”. A investigadora portuguesa, primeira autora do artigo, publicado no jornal EMBO “Architecture of the Pol III–clamp–exonuclease complex reveals key roles of the exonuclease subunit in processive DNA synthesis and repair”, adiantou que no seu trabalho conseguiram revelar “pela primeira vez, que o acesso ao ADN por parte das TLS polimerases (ADN polimerases de síntese de translesão) é regulado pelo posicionamento da exonuclease no complexo, uma vez que para aceder ao ADN a TLS polimerase terá que se associar ao grampo deslizante exactamente na mesma posição onde está associada a exonuclease. Para isso, é necessário que aquando de uma lesão a exonuclease mude de posição pelo menos momentaneamente, dando lugar à TLS polimerase, e a retome após a lesão seja ultrapassada”. Trabalho incidiu sobre a replicação do DNA e os erros que existem nesta cópia Trabalho incidiu sobre a replicação do DNA e os erros que existem nesta cópia Em suma, este trabalho incidiu sobre a replicação do DNA e os erros que existem nesta cópia. Neste processo de replicação envolve um conjunto alargado de proteínas de modo a garantir que na cópia das longas cadeias de DNA não se cometam erros. A ocorrência de erros na cópia da informação genética pode originar mutações graves e comprometer a sobrevivência dos organismos. Neste trabalho de conservação em que a célula tem que ser capaz de duplicar a sua informação genética de uma célula mãe para uma célula filha, ou seja ser feito um processo chamado replicação de DNA, as DNA polimerases replicativas (enzimas capazes de sintetizar DNA a partir de uma cadeia de DNA mãe) têm um papel fundamental na sua síntese, mas não o fazem sozinhas. Ana Toste Rêgo explica que para as DNA polimerases replicativas serem rápidas e eficientes “necessitam de ajuda”. “No momento de replicação activa são geralmente encontradas associadas a uma proteína chamada «sliding clamp», grampo deslizante, que tem a forma de um donuts que desliza ao longo do DNA à medida que a replicação acontece. Esta proteína funciona como uma ancoragem para a polimerase e torna o processo mais rápido. Ao mesmo tempo, a maior parte das ADN polimerases replicativas não são só capazes de incorporar nucleotídeos (as unidades que compõem o DNA) mas sim retirá-los quando cometem um erro. Esta actividade é devida a um domínio ou subunidade chamada exonuclease”. Bactéria Escherichia coli. Bactéria Escherichia coli. No caso das bactérias, em especial no caso da bactéria Escherichia coli (usada neste estudo), esta exonuclease não faz parte da polimerase, mas é sim uma subunidade independente, embora em interacção com a última no processo de síntese e promovendo uma fidelidade enorme. “Estas três proteínas em conjunto [polimerase, exonuclease e grampo deslizante] são tão eficientes que são capazes de sintetizar DNA a uma velocidade de mil nucleotídeos por segundo com uma taxa de erro de apenas 1x106. Ou seja, se compararmos o genoma completo da E.coli (4.6Mbases) a uma estrada com 4 600 000quilómetros, este complexo de três proteínas consegue fazer todo o percurso, e copiá-lo, em menos de 80 minutos, o que é impressionante. Além disso, ao longo de todo o percurso, a probabilidade de se enganar no caminho é de 1 em 1 000 000, ou seja menos de cinco vezes”, pormenoriza a entrevistada. Contudo, a fidelidade do genoma de um organismo não fica comprometida apenas com erros feitos pela polimerase. Existem também factores externos, quer metabólicos quer ambientais, a carsar alterações no DNA que não são ultrapassáveis ou corrigíveis pela DNA polimerase replicativa e exonuclease. Ana Toste Rêgo explica que “as células têm múltiplos mecanismos de reparação de ADN o que explica o facto de, por exemplo, as células humanas serem capazes de sobreviver a entre 1000 a 1 milhão de lesões por célula por dia no ADN. Digamos que as células têm um médico especialista para cada tipo de lesão”. Quando o erro é detectado Se no processo replicativo, o DNA polimerase encontra uma dessas alterações no DNA simplesmente pára e não consegue continuar se a célula não tiver outros mecanismos para ultrapassar estas lesões. Isto é fácil de entender se pensarmos num comboio de alta velocidade que encontra um obstáculo no caminho Isto é fácil de entender se pensarmos num comboio de alta velocidade que encontra um obstáculo no caminho A célula nessa altura “pede ajuda” a outro tipo de DNA polimerases denominadas DNA polimerases de síntese de translesão (TLS polimerases). Estas polimerases não são tão eficientes como as DNA polimerases replicativas mas são capazes de ultrapassar a lesão e continuar a síntese até devolverem o DNA à polimerase de replicação para que prossiga o processo de síntese normal. “Isto é fácil de entender se pensarmos num comboio de alta velocidade que encontra um obstáculo no caminho. O comboio tem que parar até que alguém retire o objecto ou, se isso não é possível, que alguém construa um desvio ou ponte sobre o objecto para que possa de seguida retomar a sua marcha a alta velocidade. Isso é o que as TLS polimerases fazem”, comenta a investigadora. A compreensão deses processos tem sido alvo de muitos estudos, que se têm centrado na caracterização destas proteínas, quer por métodos genéticos, moleculares ou bioquímicos. Ana Toste Rego sublinha ser fundamental “a compreensão detalhada do que realmente se passa tanto no momento em que a polimerase replicativa comete um erro e o DNA é corrigido pela exonuclease, como no momento em que não é possível corrigi-lo e as TLS polimerases são recrutadas para o mesmo local”. Uma das maneiras mais importantes de olhar para estes processos é conseguir produzir uma imagem tridimensional destes complexos proteicos (polimerase-exonuclease-grampo deslizante) em qualquer das situações acima mencionadas. Nestes casos, a cristalografia de proteínas é muitas vezes usada e, “de facto, tanto a estrutura tridimensional da DNA polimerase replicativa, o domínio catalítico da exonuclease e a estrutura do grampo deslizante da E.coli foram resolvidas por este método. O mais complicado, no entanto, é conseguir cristalizar e/ou caracterizar a estrutura destas proteínas em complexo umas com as outras, no fundo as verdadeiras unidades biológicas”, diz a investigadora. Investigação foi conduzida no Laboratório de Biologia Molecular de Cambridge Investigação foi conduzida no Laboratório de Biologia Molecular de Cambridge Foi neste âmbito que Ana Toste Rêgo e os investigadoores do MRC – Laboratory of Molecular Biology trabalharam. O estudo que desenvolveram foi feito com proteínas purificadas a partir da sua sobre-expressão em Escherichia coli e reconstituição dos complexos de proteínas in vitro. Foram também introduzidas mutações ou delecções para delimitar e comprovar as regiões de interacção entre as proteínas. E.coli permite extrapolar resultados Usar a E.coli como modelo biológico “é muito importante, não só porque é um organismo simples e mais fácil de trabalhar no laboratório mas porque muitos dos resultados obtidos podem ser extrapolados para os animais e homem uma vez que muitas proteínas são homólogas e alguns mecanismos bastante semelhantes”, afirma Ana Toste Rêgo. Ao mesmo tempo, “ou ainda mais importante”, é a existência de inúmeras estirpes altamente patológicas e resistentes a antibióticos destas bactérias. “Um maior conhecimento dos seus mecanismos mais fundamentais como é a replicação do seu DNA e os seus mecanismos para ultrapassar lesões e manter a sua integridade genómica para se reproduzir, podem ser enormes valias para o desenvolvimento de novas drogas no combate a infecções desta bactéria, usando para isso novos alvos destas maquinarias”. O estudo de Ana Toste Rêgo revelou novos dados sobre esses mecanismos e é mais uma peça no puzzle. A investigadora comenta que o trabalho “faz-nos olhar para os mecanismos de replicação e translesão com outros olhos e equacionar novas abordagens para o problema, assim como pensar a longo prazo na questão do desenvolvimento de novos fármacos”.

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