quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Cientista Português identifica mecanismo que evita
o suicídio celular e um potencial alvo contra o cancro

Estudo foi publicado hoje na revista Developmental Cell



Um grupo de cientistas a trabalhar no Reino Unido e colaboradores na Alemanha identificaram uma proteína, chamada Schnurri, que evita a apoptose, ou suicídio programado, de células epiteliais. Esta proteína existe também em humanos, pelo que a investigação tem implicações para muitas doenças causadas pela falha na eliminação de células defeituosas do organismo, como é também o caso do cancro.

Jorge Beira, principal autor do estudo, terminou recentemente o doutoramento na University College London e no Instituto Nacional de Investigação Médica do Reino Unido (National Institute for Medical Research (NIMR), Medical Research Council (MRC)), no laboratório de Jean-Paul Vincent.

Os autores do artigo científico explicam que “muitos órgãos são formados por tecidos epiteliais, constituídos por camadas de células que são aderentes às que as rodeiam. Este tipo de células delimita o exterior de muitos órgãos ou cavidades do nosso organismo, como a pele ou várias glândulas. Normalmente estas células protegem o organismo do exterior, mas muitos tumores têm origem na desregulacao da função deste tipo de células. Quando algumas destas células se libertam da camada onde funcionam, é activado um sinal de stress celular, chamado JNK, que leva a que estas células soltas sejam eliminadas por apoptose, uma forma controlada de suicídio celular”.

E assinalam: “Este mesmo sinal de stress celular é necessário para que a migração de algumas células decorra normalmente, como por exemplo durante o movimento que aproxima duas camadas epiteliais durante o desenvolvimento embrionário. Numa situação normal, quando os tecidos tomam a sua forma característica, o sinal “JNK” não leva ao suicídio celular. Esta observação sugeriu que deveria existir um mecanismo de protecção, para evitar a morte destas células que normalmente precisam de migrar”.

Neste estudo, os investigadores mostraram que, no embrião da mosca da fruta, este mecanismo protector da morte celular depende da função de uma proteína chamada Schnurri, que também existe em humanos.

Os investigadores do NIMR, em Londres, colaboraram também com outras equipas do Laboratório Europeu de Biologia Molecular (EMBL) e da Universidade de Freiburg, na Alemanha. Foi utilizada uma combinação de técnicas genéticas e moleculares para decifrar a regulação de um gene chamado reaper, que é importante na regulação do suicídio celular.

A caracterização de embriões mutantes de moscas da fruta, que não tinham a proteína Schnurri, permitiu compreender que tanto JNK como Schnurri são directamente responsáveis pela regulação do gene reaper que leva à morte das células.

Proteína Schnurri
De acordo com um novo estudo, uma proteína chamada Schnurri, que evita que células epiteliais sejam eliminadas por apoptose (ou morte celular programada), pode ser um potencial alvo para tratar doenças que são causadas por falhas na eliminação de células defeituosas.

A proteína foi identificada num estudo realizado em Drosophila melanogaster (ou mosca da fruta), que tem sido estudada por biólogos do desenvolvimento e geneticistas ha mais de um século. No entanto, esta proteína existe também em humanos, o que indica que estas descobertas podem ser um ponto de partida para estudar a sua função em doenças humanas.
Utilizando técnicas inovadoras de imagiologia 3D, descobriram também que, na ausência da protecção de Schnurri, as células que activam o sinal de stress são excessivamente eliminadas por apoptose.

Beira e Vincent afirmam: “Como Schnurri está também presente em células humanas, o nosso trabalho pode também ser relevante para muitas doenças que são causadas por falhas na eliminação controlada de células defeituosas, incluindo o cancro”. Por exemplo, é possível que a excessiva actividade protectora de Schnurri possa permitir a sobrevivência de células defeituosas que seriam normalmente eliminadas.

“Como primeiro passo para testar esta possibilidade, será importante determinar se Schnurri também tem uma função protectora em ratinhos. O nosso estudo mostra como organismos simples e com manipulação genética mais facilitada, como a mosca da fruta, podem ser utilizados para decifrar interacções genéticas bastante complexas. Desta forma é possível compreender mecanismos que abrem portas à investigação mais direccionada em organismos de maior complexidade", assinalam.

O artigo, intitulado “The Dpp/TGFb-Dependent Corepressor Schnurri Protects Epithelial Cells from JNK-Induced Apoptosis in Drosophila Embryos”, foi publicado online na revista científica Developmental Cell. O sumário pode ser lido aqui

Jorge V. Beira
Jorge V. Beira, principal autor do estudo, é natural de Évora e estudou Engenharia Biomédica no Instituto Superior Técnico e Faculdade de Medicina de Lisboa. Terminou recentemente o doutoramento em Biologia do Desenvolvimento e Células Estaminais na University College London e no National Institute for Medical Research, Reino Unido, tendo sido seleccionado para um programa de doutoramento Wellcome Trust. O projecto actual de investigação procura integrar a biologia do desenvolvimento com epigenética.
    

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