sexta-feira, 17 de junho de 2011

Design das proteínas vale mais do que mil palavras Vacina contra o HIV é um objectivo dos modelos computacionais de Bruno Correia 2011-06-16 Por Carla Sofia Flores

Geralmente têm formas que fazem lembrar serpentinas e cores que saltam à vista de qualquer um. Contudo, os modelos computacionais das proteínas não são apenas "belas ilustrações" destes compostos dos quais dependem todos os seres vivos, mas determinam todas as suas funções biológicas.

“O modelo tridimensional é parecido com uma imagem, mas tem um ‘bocadinho’ mais de informação”, explicou ao «Ciência Hoje» Bruno Correia, um químico português que foi viver para os Estados Unidos em 2006, cativado pela mudança cultural e pela ideia de poder trabalhar e desenvolver ferramentas capazes de produzir estes modelos.

O jovem cientista de 31 anos trabalha actualmente no The Baker Laboratory e no Schief Laboratory, ambos da Universidade de Washington, em Seattlle, no noroeste americano. Foi aí que fez toda a investigação para o doutoramento que concluiu, pela Universidade Nova de Lisboa, em Outubro de 2010 e várias contribuições no campo do desenho computacional de proteínas e vacinas para prevenção ou cura de múltiplas doenças, entre as quais a SIDA. “O que conseguimos [relativamente à neutralização do vírus HIV] foram resultados preliminares que nos indicam que podemos estar no bom caminho, mas ainda não temos o esperado”, salientou.

O interesse pela modelação de proteínas surgiu ainda em Portugal, durante a licenciatura em Química, na Universidade de Coimbra. Integrou então o primeiro programa doutoral português em Biologia Computacional (PDBC), que foi organizado pelo Instituto Gulbenkian de Ciência. Apesar da sua formação de base, nos Estados Unidos, para onde foi graças a um financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, Bruno Correia começou por trabalhar com as ferramentas computacionais que desenvolvem o design das proteínas. “Mas quando é necessário também vou ao laboratório”, sublinhou.

Na verdade, este processo de modelação não passa apenas pelo desenvolvimento de métodos computacionais, mas também pela sua utilização e por testes experimentais daquilo que as previsões das estruturas das proteínas sugerem. Como tal, laboratórios como aquele em que Bruno Correia trabalha envolvem pessoas com vários tipos de formação, desde informáticos a químicos, biólogos ou imunologistas.


Bruno Correia
Bruno Correia
O "poder" dos modelos computacionais

As proteínas têm uma sequência de aminoácidos que lhes dá uma determinada forma. É essa estrutura que lhes confere a sua função – “o que fazem nas células e no nosso organismo”. “Daí o interesse em se conhecer a sua forma tridimensional”, destacou o investigador, acrescentando que também “se pode querer manipular a sua função”, tendo em vista a criação de moléculas com fins terapêuticos.

Os programas que fazem a previsão da estrutura das proteínas, neste caso o Rosetta, “exploram milhões de potenciais conformações para uma determinada sequência de aminoácidos”. Depois disso, avaliam “o quão provável é uma proteína ter uma determinada conformação”.

De acordo com o cientista português, “os modelos criados são importantes porque permitem formular hipóteses passíveis de serem testadas em laboratório, de uma forma restrita. Se não forem feitos, o espaço de soluções possível é tão grande que numa vida inteira não se conseguiria testá-lo todo. Este é o verdadeiro poder destas ferramentas: reduzem o número de possibilidades que há em sequências de proteínas de milhões para dezenas ou centenas”.

No entanto, uma vez que os métodos computacionais estão a dar ainda os primeiros passos - têm entre 15 e 20 anos -, a taxa de sucesso do design das proteínas é ainda relativamente reduzida. Segundo Bruno Correia, “deve estar por volta dos 30 por cento, por isso, ter uma previsão computacional não é garantia de que isso vai ser uma proteína viável que expresse ou que tenha a função que se pretende que ela tenha”.

Da previsão à manipulação

A manipulação das proteínas pressupõe mudanças na sequência dos aminoácidos que as compõem e, consequentemente, das suas funções.Trata-se de um processo em que o design é essencial e as ferramentas computacionais são extremamente poderosas para informar este processo. Só depois, em laboratório, se verifica se essa manipulação foi ou não bem-sucedida.Este processo pode ser feito, por exemplo, ao nível das enzimas ou dos anticorpos. “Há enzimas específicas para determinadas moléculas. Se a quisermos adaptar para um substrato diferente, em que tenha mais interesse (como a degradação de uma molécula que seja tóxica), a mudança dos aminoácidos é fundamental”, referiu Bruno Correia.

O mesmo se passa com os anticorpos, cuja sequência de aminoácidos é importante para que reconheçam os vírus. Logo, se for possível manipulá-los para reconhecerem moléculas que ainda não são reconhecidas, podem fazer-se vários avanços ao nível da biotecnologia.

É precisamente ao design de proteínas que imitam vírus que o investigador português mais se tem dedicado, para que se possam conceber novas vacinas.

“O nosso objectivo é utilizarmos proteínas que não são vírus, mas nas quais podemos modelar estruturas e sequências de aminoácidos neles presentes", esclareceu, acrescentando que, depois da modelação no computador, procede-se à sua caracterização no laboratório, onde “se têm os resultados reais de se o design teve sucesso ou não”.São estes testes laboratoriais que verificam se as proteínas ligam aos anticorpos a que é suposto ligarem-se, pois, “na maioria dos vírus, mesmo que não haja vacina, há anticorpos conhecidos que podem neutralizá-los”. Quando se constata que essa ligação existe, as proteínas desenhadas computacionalmente são encaminhadas para laboratórios de imunização que “as testam, em animais, como se fossem vacinas”.
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