sexta-feira, 17 de junho de 2011

Hemocromatose: quando o ferro se torna num perigo, sem avisar Assinala-se hoje o dia nacional desta doença 2011-06-07 Por Carla Sofia Flores (texto e fotos)

Parece paradoxal dizer que a doença genética, provavelmente, mais comum entre a população europeia e das mais conhecidas ao nível da sua origem e mecanismos moleculares tem como "maior inimigo" o desconhecimento da sua existência por parte da população em geral.

Mas a verdade é que, mesmo apesar de ter uma terapêutica “eficaz, inócua, simples e barata” e um diagnóstico simples, a hemocromatose, uma espécie de "antítese da anemia", torna-se "perigosa" pela falta de sensibilização para os seus riscos - como cirrose ou cancro do fígado - numa fase avançada, que podem ser perfeitamente evitados com um diagnóstico precoce.

“Muitas pessoas não sabem o que é ou que existe. É uma doença de sobrecarga de ferro no sangue que pode ter consequências graves, mas que se for diagnosticada e tratada muito precocemente não tem problema nenhum. É um protótipo de doença em que se faz prevenção”, declarou ao «Ciência Hoje» Graça Porto, responsável pela consulta de hemocromatose do Hospital de Santo António.
A especialista foi uma das intervenientes numa reunião que se realizou hoje na unidade hospitalar em que trabalha, organizada no âmbito do Dia Nacional da Hemocromatose, hoje assinalado. Segundo a médica, esta data foi criada pela Associação Portuguesa de Hemocromatose (APH) como mais uma medida para sensibilizar as pessoas e chamar a sua atenção para a existência da doença.

“É uma associação ainda muito no início que não está completamente dinamizada em termos de impacto na população. É isso que estamos a tentar fazer”, afirmou. A ideia foi complementada, ao longo da reunião, por Manuel João Costa, vogal da direcção da APH, que falou sobretudo acerca das fragilidades da associação, que precisam de ser suprimidas. Neste contexto, a reunião serviu também para motivar as pessoas, dinamizar esforços para a sensibilização e divulgação da doença e desenhar estratégias, na perspectiva dos doentes e dos profissionais de saúde.

“Esperamos que daqui saia uma acção, que depois deste dia as pessoas que cá estão se comprometam a fazer algo, tanto profissionais como doentes”, avançou Graça Porto.

Doença pode ser facilmente diagnosticada com teste genético
Doença pode ser facilmente diagnosticada com teste genético
O que é a hemocromatose?

Em conversa com o «CH», Graça Porto explicou que esta doença é muito comum. Contudo, a sua real incidência não é conhecida, pois é muito pouco diagnosticada, conhecendo-se, porém, o gene da doença, como é que ela se processa e a frequência da mutação genética em Portugal. "Esperaríamos que uma em cada 500 pessoas corresse o risco de ter a doença, mas essas pessoas, de facto, não estão a aparecer na clínica”, lamentou.

Esta ausência pode dever-se, na opinião da médica do Hospital de Santo António, a vários motivos, nomeadamente o facto de a doença não ter sintomas iniciais específicos, mas comuns a muitas outras patologias, como fadiga, fraqueza, dores abdominais ou perda de peso.

“É com estas pessoas que nos preocupamos, daí a necessidade de um alerta muito grande para prevenir uma doença que, nas suas piores consequências, pode levar a cirrose, cancro do fígado, diabetes, problemas articulares sérios, isto é, problemas de saúde que comprometem a pessoa e que podem ser evitados”, frisou a especialista.

Tratamento e prevenção

O seu tratamento, numa fase inicial é “muito simples” e realizado por meio de sangrias, em que se retira o sangue de forma regular para evitar a acumulação de ferro. “A única maneira de o gastar é obrigando o corpo a fabricar mais sangue, um processo em que o organismo precisa de ferro. Como tal, vai retirá-lo dos seus depósitos, onde estava a mais”, explicou, acrescentando que este tratamento é feito, inicialmente, de forma intensiva. Depois é necessária apenas manutenção: “De tempos a tempos, é preciso ir retirando sangue, mas isso não é muito diferente do que faz um dador regular”, esclareceu ainda.

Por se tratar de uma doença genética, outro passo para a prevenção passa pelos doentes diagnosticados alertarem os seus familiares para a probabilidade de terem esta patologia. “É muito fácil de diagnosticar quem pode ter a doença com teste genético”. Esta “facilidade” resulta, sobretudo, do conhecimento adquirido desde 1996, ano em que se descobriu o gene da doença e a partir do qual se soube os mecanismos moleculares que a desencadeiam ou se descobriu a molécula chave para regular a absorção do ferro.

Graça Porto explicou aos presentes o que é a doença
Graça Porto explicou aos presentes o que é a doença
“O panorama da doença modificou muito. Nessa altura, só se apanhava as pessoas quando diagnosticadas com os sintomas da doença. Desde que se começou a fazer rastreios, diagnósticos e tratamentos mais precoces, o perfil do doente modificou", acrescentou.

Relativamente a novas terapêuticas, a médica acredita que só serão “relevantes para doentes que, por algum motivo, não possam fazer sangrias”, pois a já existente é muito eficaz e sem grandes custos ou complexidade. Tratar a doença através da alimentação, está fora de questão, na medida em que “não se consegue travar a absorção de ferro, a não ser que se deixe de comer. Não existe uma dieta equilibrada sem ferro”, reiterou.

Quanto à oferta clínica nesta área, está mais concentrada no norte de Portugal, zona em que a doença é mais frequente, de acordo com estudos genéticos já realizados. “No Porto foi criado um centro de referência: temos consulta de hemocromatose para diagnóstico e tratamento no Hospital de Santo António ligada a uma consulta de aconselhamento genético no CGPP, no IBMC, onde um grupo de investigação sobre a biologia do ferro estuda a doença”, referiu. Embora acredite que “não é preciso ter consultas de referência em todo o lado”, Graça Porto considera ser preciso espalhar mais pontos para além dos que já existem para os doentes que exigemcuidados primários, visto que a hemocromatose é frequente.

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